Quem é o dono do cachorro sujão?

Durante a cobertura jornalística da tragédia provocada pelas enchentes e desabamentos em janeiro, imagens chocantes de dor e sofrimento entraram com força dentro da minha casa, mexendo com minha emoção e me fazendo refletir. Tento da melhor maneira empatizar com a situação.


Imagino o desespero daqueles que foram dormir em uma cama e acordaram literalmente na lama, na escuridão, tateando a buscar algo palpável para ao menos sentir-se vivo. Encontrando forças inimagináveis em mãos que antes pareciam frágeis, e se tornaram verdadeiros guindastes para tentar salvar seus filhos, pais, irmãos, amigos e até desconhecidos.


Inúmeros relatos me levam às lágrimas. Mas o que realmente posso fazer? Juntar-me à rede de solidariedade e doar o que puder? Fazer um depósito financeiro? Participar efetivamente na recuperação dos sobreviventes? Sinto que tudo que fizer ainda será pouco para minimizar o drama real vivido por essas pessoas tão fragilizadas.


O sentimento de impotência diante da imponente força da natureza me faz sentir o peso da fragilidade humana, de quanto somos pequenos e frágeis. Principalmente quando tratamos de catástrofes que envolvem de um lado a natureza mostrando seu desagrado e de outro nós, reagindo assustados como crianças diante de algo poderoso.


De quem é a culpa? Ou, como diria um amigo, depois que o cachorro fez a sujeira, ninguém quer assumir que é o dono. Quem é o dono do cachorro sujão?


Por um lado, as autoridades com olhares estupefatos e, por outro, a população indignada. Todos apontando e buscando responsáveis e, se não encontramos ninguém, vamos então ao mais óbvio: deixar por conta dos desígnios de Deus!


Olho para nós, habitantes desse planeta, e percebo quanta ingenuidade existe dentro de cada um. Somos originariamente extrativistas, só a partir do século XX, com o avanço tecnológico e o aumento populacional, teve inicio uma nova forma de pensar, concluindo que as fontes não eram inesgotáveis! Uau!!! Quer dizer então que, se continuarmos a usufruir a nosso bel prazer dos recursos naturais desta maravilhosa e bondosa mãe Terra, ela vai se exaurir e, cansada, esgotada até o último de suas forças, não poderá mais produzir o que preciso para viver???


Até quando, oh, Mãe Gentil, suportarás nosso comportamento infantil? É assim que percebo a grande maioria da humanidade: somos crianças egocêntricas, buscando nosso próprio prazer e conforto, sem realmente encarar nossa responsabilidade pela vida neste planeta.


Produzimos uma média de um quilo de lixo por dia. No Brasil, isso significa uma quantidade que gira em torno de 240 mil toneladas por dia. O produto final do nosso consumo, depois de descartado, é igual ao cachorro sujão: ninguém quer ser o dono!


Todos queremos o progresso, cada vez mais e maiores inovações em todos os segmentos. As ruas todas asfaltadas, calçadas ao redor das nossas casas. Imagino daqui a algum tempo, quanto será que irá custar uma casa que tenha um pequenino jardim, ou um pedaço de terra qualquer? Será que algum dia os valores irão se inverter? As ruas de terra batida serão muito mais caras que as asfaltadas?


Todos queremos um carro novo. Quantos de nós pensam em usar menos carro, menos combustível? No momento em que temos oportunidade e dinheiro no bolso, pensamos em quem? Na natureza? No futuro do planeta? Doce ilusão...


Não sei se algum dia teremos uma consciência coletiva mais responsável, mais adulta. Talvez possamos acordar desse sonho infantil e encarar com seriedade a colheita daquilo que plantamos durante o passar dos séculos. Talvez o sofrimento humano seja o portal de passagem para evolução da nossa espécie! Vamos enfim usar nossos brilhantes conhecimentos tecnológicos para buscar soluções e continuar tendo os benefícios da nossa tão generosa Terra!

Maria Pohlod